25 setembro 2009

Da série: Gente que faz

QUANDO CAEM AS LÁGRIMAS

Há quem pensa que a morte é sinônimo de dor e sofrimento. Outros encaram tal assunto como transformação, como passagem. Convidei Elaine Battistel para nos contar alguns fatos de sua vida, nos quais a separação foi inevitável e em outros o quadro de doenças foi revertido através da fé e cuidados médicos. Aqui ela abre seu coração.


O pai da Elaine e seu filho Gabriel (recém-nascido)


*O que representa a morte para você?
Hoje representa uma mudança de estado somente, não consigo conceber que “morreu/acabou” e que nada mais existe, encaro como mais uma fase de nossas vidas porém não a última. Nem sempre foi assim, quando criança eu tinha muito medo da morte, sendo que uma de minhas memórias de infância mais antigas é a de que eu tinha medo de dormir e “virar caveirinha” (não sei de onde tirei isso!) e toda noite minha mãe vinha me confortar dizendo que as pessoas não “viravam” caveirinha, mas sim anjinhos que iam para o Céu, e depois de algum tempo este medo passou e acabei esquecendo. A doença de meu pai e seu posterior falecimento me fez voltar a pensar sobre a morte, mas de uma forma diferente. Se antes evitava falar ou pensar no assunto, passei a tentar encarar o assunto com mais naturalidade e aprender a enfrentar a dor inerente a ela.

*Como aborda/ensina esse assunto para seus filhos?
Eu nunca provoco um assunto delicado propositadamente. Penso que quando ele surge naturalmente a partir da curiosidade da criança é porque ela tem condições e maturidade para lidar com a informação. Quanto ao assunto específico da morte, eu tento responder de uma forma simples e sem conotação de tristeza, medo, etc. Penso que o melhor mesmo é responder de acordo com o que acreditamos, seja esta crença de cunho religioso ou não, e logicamente filtrar alguns detalhes que possam deixa-los muito ansiosos ou com medo, pois ainda são crianças. No caso do Gabriel, quando ele me perguntou, achei por bem dizer a ele que o avô havia ido morar com o Papai do Céu, pois estava tão doente que nem os médicos conseguiram cura-lo. Ele me perguntou ainda quando meu pai voltaria, e eu disse que por enquanto ele ficaria morando com o Papai do Céu e que poderíamos conversar com ele através de orações. A pergunta seguinte foi se eu ficava triste de não poder mais vê-lo, eu disse a ele que não porque sabia que meu pai estava feliz agora, pois não estava mais doente. Mostrei fotos de meu pai, contei-lhe algumas coisas sobre ele e as informações o satisfizeram, pois não perguntou mais e outro dia tive uma agradável surpresa ao ouvi-lo falar do avô com carinho para a irmãzinha.

*Como foi se separar de seu pai?
Foi um processo no qual fomos bombardeados com as mais variadas emoções no curto espaço de um ano. Logo que ele descobriu que estava com câncer, tivemos muita esperança porque estávamos rodeados de casos de sucessos contra a doença. Meu sogro havia se curado há mais de 10 anos (hoje 16 anos) de um câncer grave na bexiga, minha avó materna curou-se de um câncer de mama e havia ainda os casos de famosos que também se curaram naquela época. Ele mesmo nos tranquilizava e dizia que tudo iria dar certo e assim começou o tratamento tradicional com a remoção do tumor, quimioterapia e radioterapia. Nos primeiros meses tudo correu bem, ficamos felizes e aliviados, ele voltou até a trabalhar, pois só assim ele se sentia bem e útil. Depois de seis meses, metástases apareceram e aí foi a pior época, pois a medida que a doença avançava, drenava suas forças e para nós foi difícil ver aquela pessoa que nos representava força e determinação, se esvair rapidamente daquele jeito até perder toda sua independência física mesmo para as coisas mais básicas. Neste momento todo tipo de pensamento e angústia passa pela nossa cabeça e mal conseguíamos lidar com a nossa impotência diante da situação, mas mesmo assim continuávamos unidos com o propósito de sempre incentivar meu pai. Depois de passar por quatro cirurgias em dois meses, ele estava visivelmente cansado, debilitado e deprimido. Um dia cheguei para visitá-lo, ele me chamou a seu lado e falou-me que estava cansado e que queria morrer. Chorei e implorei para que ele não desistisse ainda, ele me disse para que eu não me preocupasse pois ele estava tranquilo e havia chegado sua hora. Lembro-me perfeitamente que naquele exato momento senti uma decepção muito grande, pois não entendia como ele podia se entregar daquela maneira. Depois compreendi meu egoísmo e também as razões de meu pai. Quando ele faleceu foi sofrido pensar que nunca mais teria sua presença física e lidar com a dor foi penoso demais. Meu pai era uma pessoa muito prática e metódica e foi assim até depois de sua morte, pois deixou claro que queria ser cremado para que não tivéssemos obrigação de visitá-lo, queria ser lembrado no dia-a-dia, sem obrigatoriedade de datas e coisas deste tipo. Sua clareza com relação a isso também nos confortou e fizemos tudo conforme ele queria. Em todo o processo porém, não houve somente sofrimento. Nestas horas descobrimos a força interior nas pessoas a nosso redor. Minha cunhada, esposa de meu irmão, fez tanto pelo meu pai que nem sei se há maneiras de retribuir; também não conseguiria descrever a admiração que sinto pela minha mãe pela maneira como cuidou dele, das coisas que teve fazer e que nem por um segundo reclamou e do que teve que decidir sozinha, pois não queria que eu me preocupasse além do necessário, já que estava amamentando um bebê de cinco meses na época; minha avó, mãe de meu pai, no alto de seus 91 anos tirou forças nem sei de onde para se despedir de seu filho; meu irmão que mesmo sofrendo muito, foi quem teve a maior coragem de separar e dar destino a todas os pertences de meu pai posteriormente; e por fim, meu marido, sempre presente, sempre prestes a nos ajudar de todas as formas possíveis durante aquele ano e que resolveu toda a parte burocrática, pois nós (eu, minha mãe e meu irmão) não tínhamos a mínima condição emocional para tal.

*E hoje como fica a saudade?
A saudade no começo foi dolorida, um misto de inconformismo, de impotência e até de culpa por não ter feito algo mais por ele. Era difícil assimilar como o mundo poderia continuar a viver normalmente, se o meu mundo havia mudado por completo. Desta vez, não me fiz de forte e chorei muito e foi muito importante para que eu começasse a lidar melhor com a situação. No começo nem conseguia dormir direito, até que tive um sonho em que ele estava feliz e em paz, como há muito não o via e aquilo me tranquilizou. À medida que o tempo foi passando a tristeza pesada foi cedendo lugar àquela lembrança boa, dos momentos bons que tivemos juntos, das coisas que aprendi com ele, da confiança e do apoio que sempre me dava. Hoje, assim como ele desejava, não há um dia específico para lembrar dele, da mesma forma como qualquer coisa pode me fazer lembrar: um objeto, uma frase, uma cor ou até um cheiro. Tem dias que sinto muito sua falta, e quando estou muito aflita por algum motivo me pego conversando com ele em pensamento, mas não é mais um sentimento de dor, é algo mais leve, é uma saudade boa. Mesmo depois de 6 anos sem sua presença física ele continua parte de mim, de minha vida e da vida de meus filhos.

*Deixe um recado para quem está passando por uma situação semelhante.
Para quem está passando por uma situação de perda e ainda está tentando lidar com a dor, selecionei um texto que me foi compartilhado por uma amiga virtual e fala sobre o assunto com muita simplicidade e clareza:
“Imagine que você está à beira-mar e vê um navio partindo. Você fica olhando, enquanto ele vai se afastando e afastando cada vez mais longe. Até que, finalmente, parece um ponto no horizonte, lá onde o mar e o céu se encontram. E você diz: - Pronto, “Ele(a) se foi”. Foi onde? Foi a um lugar que sua vista não alcança, só isto! Ele(a) continua tão grande e tão bonito e tão importante como era quando estava perto de você. A dimensão diminuída está só com você, não nele(a). E naquele exato momento que você está dizendo ele se foi, há outros olhos vendo-o aproximar, as outras vozes exclamando com alegria: “Ele está chegando!”

Elaine, essa mulher de fibra, tem um blog ótimo com dicas de artesanato e muito mais. Recomendadíssimo. Conheça.

26 comentários:

Elaine Gaspareto disse...

Rosi,
Comecei meu dia chorando. Que entrevista linda, sábia e tocante!
Este texto que ela cita ao final é mesmo muito inspirador. Pensar que enquanto nossos olhos vêem alguém partir os olhos do Senhor o vêem chegar!
Ganhei o dia!
Beijos, querida.

Nana disse...

Eu também chorei aqui, estamos em casa em momentos delicados e eu ainda não aprendi a encarar a morte com seu devido respeito.
Eu tenho um amor grande ao meu pai e ele já pregou sustos daqueles, só de pensar, meu chão abre e não sei viver sem a minha fortaleza...
mais choros rs
Bjsss meninas

Fabiana disse...

Elaine, que linda e difícil história!
Me emocionei bastante pensando na minha família, que tanto amo!
Nunca passei por uma situação dessas, e nem posso imaginar a sua dor.
Mas o importante é a certeza que ele está bem, está em paz, e isso nos conforta.
Achei lindissíma a atitude de sua família, de cuidar dele até o último instante, isso é muito nobre, chorei muito nessa parte.
--
Rosi, linda entrevista viu?
Bjs!

Estúdio de Design disse...

Rosi e Elaine,
Não sei ainda como lido com essas coisas. Desde cedo, perdi pessoas queridas e muito próximas. No começo o sofrimento é muito grande, mas depois vai passando aos poucos. Hoje em dia tenho boas lembranças delas.
Na minha idade adulta, não perdi mais ninguém próximo (graças a Deus), por isso não sei como lidaria com estes momentos. Talvez o amadurecimento faça disso algo mais ameno, ou talvez não, visto que o entendimento e o apego cresceram.
Mas lindo seu testemunho.
Beijos!
Lele

Fabiana disse...

Rosi, vc é uma flor!

Bjs!

Faça a Festa: sua festa com a sua cara! disse...

Quanto chororô.... tb entrei na lista das que choraram...

Muito boa a entrevista, muito legal a forma de encarar a morte.

Também aproveitei para conhecer o blog dela e adorei!

Grande abraço!

Elaine disse...

Oi amigas, agradeço o carinho de vocês. Acreditem, a intenção não é deixá-las tristes, viu! A verdade é que a morte faz parte da vida de todos nós e preferimos mesmo não pensar nisso porque é muito difícil e doloroso. Quando escolhemos o tema fiquei um pouco receosa com a reposta que teríamos, afinal é um tema denso mas resolvi encarar o desafio de escrever com o coração. Eu mesma me emocionei muito ao escrever sobre meu pai e sobre aquele ano, e considero esta entrevista uma homenagem à ele.
Bjs à todas,

Elaine

Katia Bonfadini disse...

Rosi, talento você tem pra deixar as entrevistadas à vontade. É tanta mulher decidida, forte e corajosa que não tem medo de se expôr que passa por aqui... Mais uma entrevista deliciosa!!!! Beijos!

Fla disse...

Nossa... que difícil.
Já passei por situações assim, já fui obrigada a conviver com doenças bem de perto, já ajudei a cuidar, já me despedi de pessoas que amo... em todos estes casos, eu aprendi.
E hoje, com esse post eu também aprendi e muito.
Beijos
Fla

Luci Cardinelli disse...

Rosi e Elaine, que ótima entrevista.
Se relacionar com a morte, não é fácil não, e só mesmo o tempo para aquietar nosso coração.
Perdi minha mãe há 3 anos. A pessoa mais importante da minha vida. O mais complicado é que eu e meu irmão tivemos que passar por duas perdas com ela. Como tinha parkinson e demência parkinsoniana, que é igual ao alzeimer, a perdemos primeiro ainda em vida. Não tínhamos mais a pessoa com quem podíamos falar de tudo, a força que nos sustentava, nossa melhor amiga. Ela perdeu toda a massa muscular e tinha apenas 30kg e eu me encontrei numa situação que nunca havia imaginado, rezava por sua morte. Pedia a Deus que tivesse misericórdia e lhe desse o descanso. Foi muito difícil fazer isso.
A saudade ainda é imensa e as vezes ainda dói, mas não queria que ela estive aqui sofrendo como estava e tenho a certeza que está bem.

bejos prá vcs e ótimo final de semana :)

Verônica Cobas disse...

Rosi e Elaine,

Quero ler essa entrevista de hoje pelo olhar do amor. E é pelo olhar do amor que admiro as pessoas que sabem cruzar sua trajetória terrena construindo afetos e não desafetos. É a afeição que explica a dor, mas que a entorpece e depois enternece. Apesar do relato doído da Elaine, a doçura simbólica do amor permeia todo o texto e só me traz bons sentimentos.
Que bom que é assim! Beijos nas duas. Veronica

Hugo de Oliveira disse...

Adorei a entrevista...viu.


abraços

Hugo

Jane M disse...

Rosi, muito linda a entrevista, com certeza servirá de conforto pra quem ler e estiver passando por momento de ter perdido alguém.
Bjo

Ypsilon Yvone disse...

Muito bem conduzida sua entrevista.
Acho bastante oportuno compartilhar esses momentos dificeis de perdas principalmente para quem está passando por isso.
Geralmente, nos faltam palvras apropriadas quando somos pegos de surpresa não é mesmo. A morte é a unica coisa certa dessa vida, aprender a lidar com ela é sempre um grande desafio.
Muito lucida a Elaine!
Bom fim de semana a todos!

disse...

Simplesmente lindo este depoimento!

Feito a Mão disse...

Elaine, vc é uma pessoa iluminada. Nunca passei por grandes perdas. Não sei como reagiria. Treino o desapego todo tempo, mas só na hora para saber.

Muita luz e paz.
Bjks

Dalva Nascimento disse...

Lidar com a separação de pessoas queridas, por mais que estejamos preparadas, é um momento de muita dor e sofrimento. A história sofrida da Elaine serve de exemplo e testemunho de fé e coragem. A fé, porque nos garante a continuação da vida que temos aqui; e a coragem porque tem que ser muito forte para vencer esses momentos dolorosos, mais ainda quando se tem uma criança pequena que depende do seu exemplo para encarar esse momento como um processo natural da vida.

Obrigada Elaine e Rosi por uma postagem tão cheia de sentimento!

Uma noite de paz!

Denise disse...

Linda entrevista! Mas não consigo nem comentar, pois o maior medo da minha vida é perder meus pais.
Beijos

Bia disse...

Linda lição de vida, Rosi...
Bom final de semana pra você... abraços!

Rose Sena disse...

Olá chara,que entrevista emocionante,parabens a Elaine pela força e superação só quem ja passou por isso sabe com é dificil perder quem a gente ama.E Rosi parabéns pelo lindo blog que ta cada dia melhor,pra mim esse foi um dos melhores posts que vc fez!!

bjs!!!!

Amélia Ribeiro disse...

Olá Rosi,

desculpa, mas para mim é muito difícil falar deste tema...

Vou deixar um beijo de Portugal e depois eu volto!

Hélia Barbosa disse...

Rosi, você é demais mesmo...

Suas entrevistas são fantásticas e parece que você escolhe quem vai entrevistar a dedo!!

Muito emocionante, e o texto final, do navio, é perfeito...

Parabéns pra você e pra Elaine, pela serenidade que demonstrou.

^^

Tem um selo/homenagem de "Blog Viciante" pra vc lá no meu blog!!

Beijão!!

Ci disse...

Nossa! emocionante!


amiga, eu to voltando em ritimo de tartaruga mas to!

beijos minha querida!

Elaine disse...

Amigas, muito obrigada pelo carinho de vocês. Fiquei um pouco preocupada em como seria a receptividade por falar de algo tão complicado, mas foi ótimo compartilhar um pouco de mim, do que vivi e senti e receber tanto em troca.

Bjs, Elaine

Priscila disse...

Rosi,
Linda entrevista. Cheia de sensibilidade e sinceridade. Não é fácil falar sobre perda.

Elaine,
Foi enorme a sua generosidade em compartilhar toda essa parte da sua história.

bjs.

Pri

A Madrasta Má disse...

Nossa muito lindo e emocionante, sou egoísta e até hj não consigo aceitar!
desculpe a demora em voltar aqui no seu cantinho, estava sem net e sem pc...Bjinhos da Madrasta!