Caminhos do Coração
Nós mulheres somos vocacionadas para a procriação. Nosso corpo, o desenho dele e nossos hormônios foram criados para isso. Será que a generosidade humana só se expresse naquelas pessoas que deram filhos ao mundo? Mas quando isso não acontece? Quando o percurso da nossa existência toma outros rumos? Convidei a querida amiga,
Elaine Gaspareto para divagar sobre o assunto e ela nos presenteia com uma bela história de coragem e determinação, características tão comuns nas mães, mesmo sem ter filhos.
*Atualmente, vemos mulheres inteligentes, independentes, profissionais bem-sucedidas e casadas abdicando-se do ato de ser mãe. Isso faz parte da sua vida?
Eu não diria que tenha abdicado. Na verdade não foi bem uma escolha, embora nunca tenha sido muito maternal. Sabe, eu acho que Deus prepara nosso coração para as coisas que virão… Sou casada há quase 15 anos e no começo do namoro não falamos de filhos; parecia coisa natural, que aconteceria e pronto. Quando casamos decidi não tomar pílula mas usar o método Billings. Havíamos acabado de completar dois anos de casados quando perdi o primeiro bebê com cinco semanas de gestação. Amigos e família nem ficaram sabendo...Toda a alegria e toda a expectativa daquela criança, todos os sonhos, todas as perspectivas que uma criança necessariamente traz de repente deixaram de existir. Ambos jovens, o médico disse que uma em cada seis gestações termina em aborto espontâneo. Alguns exames e fomos orientados a "tentar" de novo daí a seis meses. Tentamos. Em um mês veio o 2º aborto e aí já foi realmente alarmante. Mais exames, mais dor, desgaste, incertezas... Então veio, meio sem querer, a 3ª gravidez, três anos após o 1º aborto. E mais uma vez, após quatro semanas, de uma gestação mantida em segredo tanto quanto as anteriores, mais um aborto. E o diagnóstico, enfim: má formação uterina, baixa contagem hormonal e a natureza se encarregando de eliminar um feto que não iria sobreviver. Tratamento, dor, raiva, depressão, e nada de resolver o que, sabemos hoje, não se resolve. Apenas se aceita. Mas o tempo passou. Já foram cinco abortos espontâneos. Até que paramos de tentar. Ninguém agüenta tanto desgaste, tanta dor. Tem idéia do que passava pela minha cabeça quando olhava o marido dormindo ao lado, sabendo que ele nunca seria pai por causa de mim? Tem idéia do que eu sentia quando o via pegar no colo cada criança? Eu sentia como se roubasse algo que é um direito dele... Consegue mensurar a carga de culpa? Como um casamento sobrevive a isso? Só por Deus. Embora varie de mulher para mulher, quem passou por um aborto espontâneo sabe o que é: dor parecida com contração e no fim apenas mais um bebezinho morto. Depois, dependendo do caso, curetagem, antibióticos. Dor no corpo, na alma e no coração. E a tristeza... Talvez lendo isso muitos compreendam porque sou radicalmente contra o aborto provocado. Talvez entendam porque eu nunca falo sobre isso; apenas três amigos sabem. Talvez entendam porque eu amo tanto os animais. Afinal são o receptáculo de tanto amor acumulado... E entendam porque os sobrinhos são tão importantes para mim. E entendam que eu gosto de solidão pois quando se está sozinha não precisamos explicar certas coisas...

Elaine, uma mulher de fibra
*E como essa decisão atingiu sua família?
Desde o começo eu optei por não contar nada a ninguém. Isso faz parte da minha personalidade. Quem lê o blog talvez não faça ideia do quanto eu sou travada e reservada. O blog foi criado para ser terapia, para me fazer falar pois na vida eu jamais falo. Como disse, apenas três amigos e minha irmã sabem. Então é claro que houve perguntas. Mas apenas da parte da família do marido. Muitas perguntas pois meus sogros têm apenas uma neta. Mas um dia, numa festa de aniversário, ao ser firmemente questionada sobre quando havaria um bebê, eu disse que a partir daquele dia era bom que todos soubessem que não haveria bebê. E que esse era o motivo de eu nunca ir às festas e reuniões de família. Levantei e fomos embora. Passei cinco anos sem ir à festa alguma. As perguntas pararam. Mas da parte da minha família jamais houve. Ela nunca confessou, mas desconfio que minha irmã tenha dado a pista sem abrir totalmente. E o fato de eu ter uma tia que é a única dentre sete irmãs que não teve filhos meio que abriu caminho para que não houvesse tanta pergunta e tanta cobrança.
*E o assunto adoção, como você o vê?
Pensei no assunto mas nunca dei um passo concreto na direção de adotar uma criança. O motivo é muito simples: Penso que família não sou apenas eu e o marido. Inclui avós, tios, primos. E minha família jamais trataria uma criança adotada normalmente. Várias vezes ouvi isso. Há um casal de amigos meus que têm um filho adotivo, já adulto inclusive. Faz mais de vinte anos que a adoção aconteceu, mas ainda hoje ouço coisas como: “Nossa, até parece filho deles”. Não quis isso para uma criança minha. Além da minha mãe, os meus cunhados e sogros até aceitariam, mas jamais seria inteiramente. Minha mãe sempre disse que não seria neto de verdade. Parece coisa daquela novela Viver a vida, né? Mas há mais pessoas com esse pensamento do que imaginamos. Mas o motivo principal é que passou. Sabe, aquela vontade morreu. Junto com cada bebê. Sem drama, não quero comover ninguém, mas a verdade é que eu não passei por tanta dor incólume. E hoje em dia sequer falamos disso, o marido e eu. Deixamos onde ficou, no passado. Estamos felizes assim, apesar de tudo. E ele nunca falou claramente em adotar. às vezes comenta que algum conhecido adotou, mas apenas isso. E como ele já sofreu a cota que lhe cabe eu não falo.
Ela e seu xodó
*Você apoia mulheres que decidiram não ter filhos? Eu apoio quem decidiu. Acho que a cobrança é injusta. Como quase ninguém conhece minha vida, ouvi muitas vezes que sou egoísta, que sou fria. Não acho que alguém que decida não ter filhos seja egoísta ou fria. Assim como não acho toda mãe uma santa. Se é possível escolher, escolha o que é melhor para você. Umas nasceram para ser mãe, outras não. Isso não diminui ninguém, muito pelo contrário. Ter ou não um filho não nos torna melhores ou piores. Mas a pressão social é intensa. Assim, se você sente que sua vocação não é a maternidade, prepare-se, pois as pessoas têm enorme dificuldade em aceitar o diferente. Uma vez eu fui me confessar com um padre que havia chegado há pouco na minha paróquia. Eu tinha na época sete cachorros. Ele foi bem firme ao dizer que a vontade de Deus para um casal era os filhos. Que criar cachorros era um roubo; eu estava roubando o amor e a dedicação devida aos filhos que eu não tinha. Ouvi tudo. Quando ele terminou eu contei a história para ele. Foi muito ruim. Fui embora. Francamente a opinião dos outros não me interessa pois quem sabe de mim sou eu. E eu sei muito bem quem sou. Quero dizer uma última coisa: Muitas mulheres sentem um desejo enorme de terem filhos e por variados motivos não têm. Se isso acontece com você não permita que envenene sua vida. Vá atrás do seu sonho mas saiba que um filho não é a garantia de que tudo será perfeito. E dá sim pra ser feliz sem filhos. Muito feliz, aliás. Eu sei. Eu sou.
Essa forte mulher tem um blog muito badalado.
Confira aqui.